A CNSN é uma sociedade secreta, ou quase, constituída por indivíduos com deficiência em BCCS (um marcador genético que condiciona a capacidade de compreender comunicação não verbal em negociações, sacanagens institucionais, entre outras necessidades óbvias do mundo real). Não se entusiasme, verme, pois agora que mapeamos o BCCS, temos um plano infalível para dominar o mundo. Ou curar a ressaca.

22 de out. de 2009

Por que não deu certo

(mandei esse texto para o grupo um tempo atrás, acho que ninguém recebeu)

Por que não deu certo

Já faz bastante tempo que não usamos este canal para comunicação, mas acho que ainda está ativo. Achei que seria interessante dar uma avaliada no que aconteceu na vida profissional das pessoas inicialmente envolvidas na proposta NSN e por que ela não “deu certo”, no sentido do “programa original”.

O programa original consistia em buscar:

1. Uma certa proteção negocioatória para os membros do grupo, assumidamente incompetentes ou ineptos na tarefa de articular com parceiros, clientes e terceiros profissionalmente relevantes, de modo geral.

2. Inserção para produtos e serviços inovadores em mercados nem sempre bem-delimitados ou reconhecidos formalmente

3. Apoio profissional para os dois itens anteriores (representantes, prospectadores de mercado, coaches, etc)

Conversando com meu irmão, Laerte, de certa forma entre nós, acredito ter ouvido a resposta (dele). Isso não é possível, porque o apoio profissional que buscávamos simplesmente não existe no Brasil.

De duas uma: ou “criávamos” este profissional – convencendo alguém, das áreas de RH, direito corporativo, etc., a investir nesse novo nicho (que nicho? O de prospectar clientes de mercados ainda não configurados?), ou adotávamos outra alternativa.

Criar um profissional que topasse um investimento de altíssimo risco no ano de 2009 seria a maior das “sem-nocisses” que qualquer um de nós seria capaz de fazer. Em ano de crise econômica, investimentos destes requerem do investidor ser muito bom, muito louco, ou ambos.

Não rolou porque nem pensamos que isso seria necessário. Como é típico de nossas pessoas, não fomos sensíveis o suficiente para entender isso.

A segunda alternativa seria dizer “ok, não deu por aqui” e utilizar uns aos outros como prospectadores, negociadores e protetores. É possível? É sim. Parte dos meus projetos está sendo viabilizado por este caminho. Suponho que isso seja verdade para alguns outros membros do grupo. Resumindo, seria pensar a nós mesmos como recurso humano fundamental e nos dispor a tanto. Não criar projetos coletivos (outro investimento de fôlego complicado), mas apoiar os projetos dos membros da rede.

Não há nada de novo nisso: é o velho conceito de networking e capital social. Ainda fico nos quatro primeiros e únicos textos que postei no nosso blog.

O meu balanço, nesse sentido, é positivo. Ainda que alguns projetos não tenham exatamente deslanchado e se viabilizado economicamente, estão ativos e aguardando um “on”. Devidamente formatados, estão já a caminho, com parceiros desta rede. Outros são meus projetos, que foram favorecidos por ações de membros desta rede. Outros são projetos de membros desta rede, favorecidos por mim. Quando digo favorecido, penso em algo relativamente simples. Uma coisa é a parceria formatada. A outra é o “help” que constitui os vínculos da rede social que descrevi. Aquele contato, que toma algo como uma hora do seu mês, mas que faz a diferença absoluta entre o sucesso e o fracasso do projeto do companheiro de rede.

Parceria, pontual ou longitudinal, só funciona se as partes estiverem:

1. Plenamente convencidas dos benefícios mútuos

2. Acreditem na proposta em igual proporção

3. Estejam dispostas a investir o tempo e esforço pré-acordado, satisfeitas as condições acima

Isso deu certo em alguns casos, outros não. Às vezes por não satisfazer as duas condições acima, às vezes porque foi difícil demais, custoso demais e com todo o convencimento, fé e tudo mais, os parceiros foram vencidos pelo meio. Acontece, faz parte.

Para finalizar, o que tenho de positivo a dizer foi que a experiência ensinou algo sobre o funcionamento destes sistemas e criou alguns laços a mais de cooperação (afinal, deveria ser uma cooperativa).

É isso. Talvez eu poste isso no blog – talvez tenha algum valor como reflexão geral. Aguardo comentários, se alguém tiver.

Marilia


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Gambiarra - criatividade tática

(a imagem mostra o uso criativo de uma antiga casamata na Albânia, e foi retirada daqui)

Por Felipe Fonseca e Hernani Dimantas

Mandamos esse texto para a publicação do Paralelo, evento que aconteceu em março/abril de 2009 em São Paulo. Devem sair uma versão impressa e uma POD (print-on-demand) nos próximos meses.

A gambiarra aparece como a arte de fazer. A re-existência do faça-você-mesmo. Sem todo o ferramental, sem os argumentos apropriados, mas com o conhecimento acumulado pelas gerações. Fazer para modificar o mundo. Um contraponto ao empreendedor selvagem. Fazer para transformar aquilo que era inútil num movimento ascendente de criatividade. A inovação está presente no DNA pós-moderno, no pós-humano. Numa vida gasosa. Abrimos aqui parênteses para fazer uma crítica ao Bauman com suas diversas modernidades líquidas. O líquido se acomoda ao recipiente. Seja um copo, um vaso ou apenas a terra contra a qual o oceano se deixa existir. O gasoso flui no espaço, no tempo e no ser em existência. Não só líquida ou gasosa, a pós-modernidade é a multiplicidade de estados que se misturam, na confluência da Ipiranga com a São João, na co-existência de todos os níveis de desenvolvimento econômico e tecnológico. Uma gambiarra que remixa, modifica, transforma e se mistura. Traço comum da inventividade cotidiana, do improviso, da descoberta espontânea, da transformação de realidades a partir da multiplicidade de usos. O mais trivial dos objetos, lotado de usos potenciais: na solução de problemas, no ornamento improvisado, na reinvenção pura e simples. O potencial de desvio e reinterpretação em cada uso. A inovação tática, acontecendo no dia a dia, em toda parte.

Gambiarra é um termo em português que no dicionário denota uma extensão elétrica, mas ali no mundo real adotou (naturalmente?) outro significado ao qual só podemos tentar aproximações: improviso, solução temporária, bricolage, desconstrução, precariedade. É tida como consequência de uma sociedade ainda não totalmente amadurecida: como não temos as estruturas apropriadas, as ferramentas adequadas, os profissionais especializados (ou o dinheiro para contratá-los), a gente improvisa. Desloca a finalidade desse e desse objeto, soluciona as coisas por algum tempo, e assim vai levando.
Mas a gambiarra é muito mais do que isso. O ideal de sociedade hiper-especializada, com conhecimento compartimentado, guardado em gavetinhas e vendido em embalagens brilhantes, já deu sinais de esgotamento. A aceleração da aceleração do crescimento econômico já começou a vacilar (e nem vamos falar em crise, ok?). O modelo de desenvolvimento do século XX não fechou a conta: os países ricos não conseguiram integrar as populações de imigrantes, criaram uma sensação de estabilidade e prosperidade totalmente ilusória, transformaram toda produção cultural e toda solução de problemas em comércio. Em nome do pleno emprego e de uma sociedade totalmente funcional, as pessoas comuns perderam uma habilidade essencial: a de identificar problemas, analisar os recursos disponíveis e com eles criar soluções. Em vez de usar a criatividade para resolver problemas, as pessoas pegam o telefone e o cartão de crédito. Todos vítimas da lógica do SAC!
Esse movimento embute a semente de sua própria reação. O faça-você-mesmo é a sequela dele. As novas gerações assumem a necessidade de ação. Não dá para ficar com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar. Há que se fazer a diferença. Mesmo nos países ricos e nos centros urbanos brasileiros, a repressão ao impulso inventivo cotidiano causa uma insatisfação que acaba sendo canalizada para atividades criativas. Inventores e inventoras em potencial buscam reconhecimento e troca em seus pares, e a gambiarra renasce. A entrada das novas tecnologias nos tem aberto alguns espaços. As pessoas estão cada vez mais construindo atalhos para a participação em rede. Grupos de afinidade se encontrando para organizar hacklabs, iniciativas faça-você-mesmo, software livre, robótica de baixo custo, hardware aberto e experimentos de diversas naturezas. Nesse sentido, a gambiarra, nosso traço tão brasileiro da gambiarra, não é atraso ou inadequação, mas sim um aviso e um apelo ao mundo: desenvolvam essa habilidade essencial, e a sensibilidade que ela exige em relação a objetos e usos. Não se alienem de sua criatividade! Não acreditem nas estruturas do mundo ocidental que querem transformar a criatividade (as "indústrias criativas" e todas as suas falácias) em nada mais que um setor da economia, restrito e regulamentado. Criatividade não se trata de submissão individual ao mercado "criativo" que tudo transforma em produto, mas do estímulo à capacidade de invenção em todas as áreas.
A gambiarra ainda não virou produto. Precisamos resistir a isso. Nosso espírito antropofágico facilita, mas as tentação de uma sociedade plenamente consumista estão sempre na esquina (ali na frente do shopping center, pra ser exato). Curiosamente, não é a precarização das pontas que faz do mundo globalizado uma ameaça para a gambiarra. O perigo é justamente o outro lado: traz o espectro de um tipo burro de desenvolvimento para os quase-desenvolvidos. Não podemos acreditar demais no sonho civilizado de uma sociedade em que toda aplicação de conhecimento vira consumo, porque isso destrói o potencial de criação nas pontas que vai ser cada vez mais importante.
Da mesma forma, é também fundamental questionar o uso de um referencial da gambiarra como mero instrumento de renovação estética, sem tratar desse aspecto importante de entender a criatividade como processo distribuído e transformador. Fica no ar a pergunta de Aracy Amaral citada em artigo de Juliana Monachesi questionando a chamada "estética da gambiarra" na mostra Rumos Artes Visuais 2005-2006 – Paradoxos Brasil: "Seria uma circunstância necessária com que os artistas brasileiros se deparam para produzir ou trabalhar com o descarte tornou-se um maneirismo?”. A gambiarra não pode ser mero ornamento formal para ocupar galerias - para desenvolver toda sua potência precisa ser legitimada, perder a aura de atraso e envolver cada vez mais gente na perspectiva de criatividade tática. Essas são as bases da Gambiologia. Não pretendemos um elogio da precariedade, do que é abaixo do ideal, daquilo que está aquém. Não, estamos atuando e construindo um mundo em que toda condição é vista como abundância. Com o espectro da invenção latente no dia a dia, qualquer problema é pequeno. Basta exercitar o olhar.

publicado por Martha Nader